6ª Turma do STJ reitera entendimento quanto à constitucionalidade do art. 385 do CPP

Conforme dispõe o art. 385 do CPP, "Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada". Trata-se de norma cuja compatibilidade constitucional acende calorosos debates doutrinários e alguma controvérsia no âmbito dos tribunais, haja vista o disposto no art. 129, I, da Lei Maior.

O referido dispositivo magno consagra o sistema processual acusatório, em razão do qual se estabelece uma perfeita distinção funcional entre acusação, defesa e juiz no transcurso da persecução penal. Nota-se aí verdadeira diretriz de política criminal que, em tempos recentes, foi reforçada sobretudo ante a introdução do art. 3º-A ao CPP pelo Pacote Anticrime: "O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação."

Entretanto, em que pese a clareza do paradigma constitucional neste particular, a jurisprudência superior consolidou-se favoravelmente à validade da norma inscrita no art. 385 do CPP, pois que, mesmo diante do pleito absolutório formulado pelo Ministério Público, remanesceria presente a pretensão acusatória deduzida no início da persecução - pautada pelos princípios da obrigatoriedade, da indisponibilidade e pelo caráter publicista do processo -, a qual deve ser julgada pelo Estado-juiz, mediante seu soberano poder de dizer o direito (juris dicere).

Apesar de respeitável, o argumento não convence. Ora, ao proferir juízo penal condenatório em desacato à posição do próprio órgão acusador em sentido contrário, o Estado-Juiz assume, ao menos nesta derradeira etapa procedimental, as vestes de acusação, substituindo-a para os fins persecutórios inicialmente (mas não finalmente) almejados. Traçando um paralelo - arrojado, mas cabível -, se o perdão concedido pelo querelante (titular exclusivo da ação penal de iniciativa privada) e aceito pelo querelado implica na extinção da punibilidade do último (art. 58, parágrafo único, CPP), a mesma solução deve ser adotada quando o órgão ministerial (titular da ação penal pública incondicionada) propugna pela absolvição do acusado, sobretudo após o encerramento da etapa instrutória.

E isso se nota mesmo considerado o caráter publicista do processo penal, que de maneira nenhuma autoriza uma outra instância estatal a desenvolver, em substituição àquela constitucional e legalmente encarregada da tarefa, uma atuação acusatória que lhe é estranha. O interesse público, em nosso sentir, é satisfeito quando há absoluto respeito à independência funcional da instituição incumbida pelo ordenamento jurídico de ser a titular da pretensão punitiva.

Pois bem. Em caso concreto apreciado pela 6ª Turma do STJ, um indivíduo acusado da prática de concussão (art. 316 do CP) insurgia-se contra sua condenação, ultimada a despeito do pedido de absolvição apresentado pelo MP. Venceu, contudo, a tese contrária, na esteira dos fundamentos acima apontados.

Processo: STJ. 6ª Turma. REsp 2.022.413/PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, j. em 14/2/2023 (Informativo 765).