A aplicação da garantia de impenhorabilidade do valor depositado em conta corrente, sem repercussão acerca do atributo do valor executado, evidencia erro de percepção, autorizando a rescisão do julgado, conforme o art. 485, IX, do CPC/73

Banco X ingressou com ação de cobrança em face de João. Julgado procedente o pedido, restou o devedor obrigado a pagar 200 mil reais ao requerente e 20 mil reais ao advogado da financeira, a título de honorários sucumbenciais. Iniciado o cumprimento de sentença para percepção do montante honorário, determinou-se o bloqueio de valores depositados em conta corrente do executado, via BacenJud. Em sede de impugnação, arguiu-se a impenhorabilidade da verba, de natureza previdenciária (proventos de aposentadoria). Acolhido parcialmente o pleito defensivo, a penhora foi reduzida para 30% da aposentadoria do devedor, que, ainda irresignado, interpôs agravo de instrumento com o fito de liberar a integralidade da quantia. O tribunal, contudo, julgou improcedente o agravo, mantendo a decisão recorrida.

Interposto recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão proferida a 26/11/2014, acolheu o pedido sob o fundamento de que as verbas salariais seriam absolutamente impenhoráveis: "Este Tribunal firmou entendimento no sentido de que as verbas salariais são absolutamente impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973. Tal regra somente é excepcionada quando se tratar de cobrança de verbas alimentares, situação que não se verifica no caso.

Vê-se, portanto, que o Tribunal da Cidadania entendeu que os honorários exequendos não ostentariam natureza alimentar, afastando, por isso, sua constrição.

Ocorre que, ao tempo de prolação do acórdão superior, o advogado já havia sacado o numerário, respaldado pelas decisões judiciais até então proferidas (lembrando que o recurso especial não produz, em regra, efeito suspensivo). João, então, apresentou pedido de intimação do advogado para restituição da quantia levantada: "Embora a tese do ilustre advogado esteja correta, considerando que os honorários possuem realmente natureza alimentar e, portanto, o valor poderia ser penhorado da conta do executado, no caso concreto, o STJ não levou isso em conta. Logo, só resta cumprir o que decidiu o Tribunal Superior.”

Contrafeito, o advogado ajuizou ação rescisória perante o STJ, objetivando desconstituir o acórdão que, equivocadamente, deixou de observar a natureza alimentar dos honorários sucumbenciais. Seus argumentos foram os seguintes, resumidamente: (i) a execução de honorários advocatícios tem natureza alimentar. Logo, conforme o próprio STJ afirmou em sua decisão, seria possível a penhora; (ii) o que se percebe é que, por de um erro de percepção, o STJ não constatou que o crédito executado constituiria verba alimentar; (iii) se o STJ tivesse percebido que se tratava verba alimentar, teria autorizado a manutenção da penhora, mesmo em se tratando da aposentadoria do executado.

Os argumentos foram acolhidos. Isso porque, quando o julgador interpreta ou valora um fato de determinado modo, ainda que a parte entenda que não há respaldo nos autos para tal conclusão, não cabe rescisória. Da mesma maneira, descabe a rescisória se a parte autora alega a ocorrência de um erro de fato baseado em decisão que contraria os autos, mas tal “fato” tenha sido controvertido pelas partes no processo.

Na hipótese, portanto, não caberia ação rescisória se o STJ tivesse expressamente entendido e afirmado que o crédito honorário não constituiria verba alimentar ou, se, no processo, se tivesse controvertido se tais valores configurariam ou não honorários advocatícios. O STJ, na época da prolação do julgado rescindendo (26/11/2014), entendia que, quando o § 2º do art. 649 do CPC/73 falava em “prestação alimentícia”, isso incluía também honorários advocatícios. Desse modo, se o STJ tivesse percebido corretamente que a execução era de honorários, o advogado teria sido, sim, autorizado a receber a importância penhorada.

Diante desse quadro, caso inexistisse erro de percepção no julgado rescindendo, deveria ter sido explicitada a posição pessoal do julgador contra a natureza alimentar dos honorários advocatícios sucumbenciais, uma vez que tal orientação refletia a jurisprudência do STJ no tempo em que proferida a decisão rescindenda.

Processo: STJ, 2ª Seção. AR 5947/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 14/09/2022 (Informativo 759).