A repropositura de cumprimento de sentença para recebimento de crédito "ignorado" em decisão definitiva esbarra na coisa julgada

Vejamos a seguinte hipótese: empresa A cedeu a João 15% dos valores que teria a receber da empresa B. Posteriormente, ambas as sociedades celebraram transação global, pondo fim a todas as demandas judiciais na qual litigavam. João, então, instaurou cumprimento de sentença, com vistas a receber o crédito que havia sido cedido, contudo sua pretensão foi julgada improcedente. Escoado in albis o prazo recursal de João, também esta decisão transitou em julgado.

Algum tempo depois, João intentou "novo cumprimento de sentença", desta vez sob o argumento de que o crédito executado inicialmente não abrangia a totalidade dos valores que teria a receber, em vista do que lhe seria lícito "dar continuidade" à pretensão creditória alhures reconhecida.

Irresignada, a executada apresentou exceção de pré-executividade, alegando que a investida de João esbarraria na eficácia preclusiva da coisa julgada - caracterizada pela tríplice identidade entre os elementos da demanda (partes, pedidos e causas de pedir) -, vez que este último, em momento algum, teria especificado que a primeira cobrança estaria limitada à fração do crédito cedido.

A tese defensiva foi rejeitada em primeiro grau, mas acolhida em segundo (agravo de instrumento) e, por fim, mantida em sede de recurso especial (STJ), extinguindo a execução na forma dos arts. 267, V, e 268, do CPC/1973.

Ressaltou a Corte Superior: "No caso, não se estão executando os termos de cessão de crédito, mas, ao revés, um único provimento jurisdicional com único capítulo de sentença, não havendo, materialmente, várias decisões (rectius, vários capítulos), nem qualquer tipo de cisão do julgamento de mérito - seja material, seja formal - tampouco provimento com parte líquida e parte ilíquida, muito menos pedidos diversos com parte incontroversa e outras não, ou pedido em condições de imediato julgamento e outro não.

Importa pontuar, ademais, que, nas duas petições de cumprimento de sentença (na análise dos termos do pedido de homologação de transação, assim como da sentença com resolução de mérito que homologou o referido acordo) não houve nenhuma ressalva em relação ao valor ou à espécie do crédito que estava sendo quitado, nem afirmação de que não se tratava do valor integral (mas apenas da 1ª parcela do cumprimento de sentença ou de duas parcelas de 7,5% ou algo do tipo).

O STJ tem entendido que, 'embora se admita a inclusão das prestações vincendas na condenação em decorrência da interpretação do art. 290 do CPC/1973, tal medida não pode ser adotada quando se trata de execução de valor definido no título executivo, sob pena de violação da coisa julgada' (AgInt no REsp 1.323.305/AM, Rel. Ministro Napoleão Nunes Mais Filho, Primeira Turma, julgado em 27/06/2017, DJe 03/08/2017).

Nesse sentido, fracionar o cumprimento de sentença de crédito único, líquido e certo (para executar uma das parcelas em momento diverso), envolvendo as mesmas partes e decorrente do mesmo fato gerador (provimento jurisdicional de capítulo único), sem que se efetivasse nenhuma ressalva em relação ao 'primeiro' cumprimento de sentença, demonstra um comportamento contraditório, em verdadeiro venire contra factum proprium."

Processo: STJ, 4a Turma. REsp 1.778.638/MA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 02/08/2022 (Informativo 758).