É possível, excepcionalmente, aplicar a pena de sonegados a herdeiro não pessoalmente interpelado

Consiste a sonegação de bens hereditários no comportamento de ocultar, não restituir ou levar à colação em inventário, quando devido, os bens transmitidos antecipadamente pelo autor da herança. A pena legalmente prevista para tal conduta é a de perdimento dos direitos sobre o patrimônio ocultado (CC/02 art. 1.992) - e, quando for o caso, da inventariança (art. 1.993) -, dependendo sua fixação da propositura da ação competente pelos herdeiros ou credores interessados (art. 1.994).

Para tanto, deve-se fazer prova da ocultação patrimonial em si (elemento objetivo) e da intenção de assim proceder (elemento subjetivo), mediante o que se justifica a punição inclusive dos herdeiros não pessoalmente interpelados.

No caso em apreço, um homem que tinha quatro filhos (frutos de dois casamentos) registrou vasto capital imobiliário em nome da prole do segundo matrimônio, no intuito manifesto de preterir a do primeiro. À época da aquisição do patrimônio, os herdeiros contemplados tinham tenra idade e, evidentemente, não detinham renda própria.

Aberta a sucessão, instaurou-se o procedimento de inventário, cuja representação (inventariança) foi exercida inicialmente pela segunda esposa. No entanto, as filhas mais velhas (frutos da primeira união), desconfiaram que os bens por ela arrolados não condiziam com o padrão de vida gozado pelo extinto (interpelando-a nesse sentido), vindo a descobrir, por fim, as doações inoficiosas realizadas em benefício dos coerdeiros, seus irmãos unilaterais.

Ajuizada a ação de sonegados em face da viúva e dos demais herdeiros - os quais eram a esta altura relativamente incapazes -, a primeira rechaçou qualquer ocultação patrimonial, arguindo que os bens haviam sido amealhados com recursos próprios. Tal conduta veio a ser reiterada pelos últimos, quando já plenamente capazes, sendo oportuno notar ainda que todos se faziam representar pelo mesmo advogado.

Diante de tais circunstâncias, restaram devidamente comprovados os requisitos acima descritos, autorizando o sancionamento dos herdeiros que, não obstante não pessoalmente interpelados da ocultação patrimonial, dela se beneficiaram de forma inequívoca.

Processo: STJ, 4ª Turma. REsp EDcl no REsp 1.567.276/CE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, j. 22/11/2022 (Informativo 758).