É válida a formulação de quesito sobre dolo eventual quando a defesa pede a desclassificação do homicídio doloso para lesão corporal seguida de morte

Para a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a formulação de quesito sobre dolo eventual ("... o acusado previu o resultado e assumiu o risco de produzi-lo?") não acarreta nulidade quando precedida de tese defensiva no sentido da desclassificação do crime imputado (homicídio) para lesão corporal seguida de morte.

Vejamos com calma. João efetuou disparos de arma de fogo contra Pedro e Manoel, no mesmo contexto fático (uma festa), produzindo a morte do primeiro e lesão corporal grave no segundo. O Ministério Público, então, denunciou o imputado pelos crimes de homicídio qualificado consumado e homicídio qualificado tentado, restando confirmadas em pronúncia ambas as capitulações.

A defesa de João pleiteou, em plenário, a desclassificação dos crimes para lesão corporal seguida de morte (Pedro) e lesão corporal grave (Manoel).

Desse modo, foram formulados dois quesitos relacionados às teses defensivas (3º: "assim agindo, o acusado quis o resultado morte da vítima Pedro?" [dolo direto]; e 4º: o acusado previu o resultado e assumiu o risco de produzi-lo?" [dolo eventual]).

Os advogados de João impugnaram esse 4º quesito. Sustentaram que houve ofensa aos princípios da correlação, do devido processo legal, da plenitude da defesa e do contraditório, pois, “em nenhum momento foi imputado ao apelante o cometimento homicídio mediante dolo eventual”. O juiz, contudo, rejeitou a impugnação da defesa e manteve a quesitação, e João restou condenado por homicídio qualificado e por lesão corporal grave.

Levado o caso ao STJ, destacou-se que os quesitos são formulados em conformidade com os termos da pronúncia, do interrogatório e das alegações das partes (CPP, art. 482, parágrafo único), sendo certo ainda que a apresentação de tese desclassificatória traz a reboque a formulação de quesito correspondente (art. 483, §4º), ainda que não discutida em plenário.

Conforme entendimento consagrado na jurisprudência superior, a sistemática do Júri autoriza a mitigação do princípio da correlação/congruência, sobretudo quando a  tese defensiva pressupõe o pronunciamento dos jurados sobre o ponto (ex: a prática de crime preterdoloso pressupõe o afastamento do dolo - direto ou eventual - na conduta antecedente), atraindo, assim, a norma do art. 565 do CPP ("Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.").

Processo: STJ, 5ª Turma. AREsp 1.883.314/DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 25/10/2022 (Informativo 757).