Em caso de ausência do Ministério Público, não pode o juiz inquirir as testemunhas em seu lugar na audiência de instrução, decide STJ

Conforme disposto no art. 212 do CPP, serão formuladas pelas partes as perguntas "diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida". A possibilidade de inquirição direta pelo magistrado não está descartada, porém se limitará aos pontos não esclarecidos, ou seja, em caráter complementar (parágrafo único).

Outra observação importante é que, ante a inovação implementada pela Lei nº 11.690/2008, as testemunhas serão primeiro inquiridas pela parte que as tiver arrolado, abrindo-se, em seguida, oportunidade para que a parte contrária formule seus questionamentos.

Em caso concreto recentemente analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, discutiu-se quanto à viabilidade de o magistrado instrutor, em vista do não comparecimento do representante do Ministério Público, interpelar diretamente as testemunhas em audiência de instrução e julgamento, assumindo as vezes de órgão acusador. Prevaleceu, com acerto, o entendimento contrário a tal possibilidade, flagrantemente avessa ao sistema processual acusatório.

Trata-se de conclusão imperativa à luz do novel art. 3º-A do CPP, que expressamente proíbe "a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação", sob pena de ofensa ao paradigma acusatório, sediado na própria Constituição Federal (art. 129, inciso I).

Importante notar também que, para ser considerada válida a referida audiência, basta que o representante do Parquet tenha sido regularmente intimado da designação do ato, correndo por sua conta os riscos processuais em caso de eventual ausência injustificada. Nesse sentido: "Não há vício a ser sanado quando, apesar de intimado, o Ministério Público deixa de comparecer aos atos processuais. Trata-se de nulidade relativa, devendo subsistir alegação oportuna e demonstração do prejuízo, inexistente no caso concreto" (STJ, 5ª Turma. AgRg no REsp 1.566.596/RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 27/6/2017; e STJ. 6ª Turma. REsp 1.493.227/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/9/2016).

Em casos assim, o juiz responsável pode lançar mão de duas providências igualmente válidas: (i) suspender a audiência e designar nova data para sua realização, certificando-se da intimação válida das partes e testemunhas; ou (ii) permitir a realização do ato, abdicando de exercer função supletiva à acusação (observados os contornos do art. 212 do CPP).

*Obs: "A inquirição de testemunhas diretamente pelo magistrado que assume o protagonismo na audiência de instrução e julgamento viola o art. 212 do CPP. Neste caso, o membro do MP estava na audiência, mas não fez perguntas, apenas o juiz" (STJ. 6ª Turma. HC 735.519/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/08/2022 (Informativo 745).

Processo: STJ. 6ª Turma. REsp 1.846.407/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/12/2022 (Informativo 761).