Em não havendo outros herdeiros necessários, qual a situação jurídica da mulher casada sob o regime da separação de bens em relação ao patrimônio deixado por seu falecido marido? Haverá concorrência sucessória com irmãos, primos e outros colaterais?

O casamento e a união estável, duas entidades familiares constitucionalmente reconhecidas (art. 226, §§1º a 3º, CRFB), produzem efeitos pessoais e patrimoniais, decorrendo estes últimos da própria lei ou da autonomia privada das partes.

Na primeira hipótese, ausente disposição negocial específica em sentido contrário, ambas as espécies familiares serão disciplinadas pela comunhão parcial de bens, regime supletivo que implica, em suma, na comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da relação (chamados aquestos), ressalvadas as exceções legais.

Contudo, caso deliberem por instituir disciplina patrimonial diversa, os nubentes ou companheiros deverão formalizá-la por meio de pacto antenupcial ou contrato de convivência, respectivamente, haja vista o princípio da liberdade de escolha dos regimes de bens, consagrado no artigo 1.639 do Código Civil brasileiro.

Por elementar, uma das possibilidades em casos tais é justamente a separação de bens, estatuto que supõe a incomunicabilidade do patrimônio entre os cônjuges e conviventes, cada qual gozando de plena autonomia para administrar, alienar ou gravar de ônus reais os próprios bens.

Pois bem. Direcionando a exposição para o campo sucessório, devemos de plano observar que cônjuges, companheiros, ascendentes e descendentes constituem o rol dos chamados herdeiros necessários, a quem será obrigatoriamente reservada a metade, pelo menos, do acervo hereditário.

Note-se que os irmãos, primos e tios – denominados colaterais– compõem a classe dos herdeiros facultativos ou eventuais, os quais somente participarão da sucessão quando a pessoa falece sem deixar pelo menos um herdeiro necessário, sendo certo ainda que os de grau mais próximo (ex: irmãos) excluem os mais remotos (ex: tios).

Feitos esses apontamentos, cumpre registrar que a partilha de bens por derivação exclusiva de divórcio ou dissolução de união estável constitui forma de transmissão de direitos inter vivos, isto é, opera-se independentemente da morte de qualquer dos envolvidos. Aqui, o regime de bens adotado servirá de parâmetro único para a repartição dos aquestos.

Noutro giro, a percepção de direitos e obrigações por herança ou legado se dá mortis causa, ou seja, depende do falecimento de uma das partes para se concretizar. Sob este prisma, o regramento econômico da sociedade conjugal ou convivencial somente influirá quando o(a) viúvo(a) concorrer com descendentes do falecido, conforme dicção expressa do art. 1.829, I, do Código Civil.

Significa dizer que o regime de bens do casamento ou da união estável – inclusive o da separação – não poderá impedir o(a) viúvo(a) ou companheiro(a) sobrevivente de receber, a título de herança, os bens deixados pelo(a) falecido(a), notadamente quando inexistir concorrência sucessória com outros herdeiros necessários (ascendentes e/ou descendentes).

É o que se pode extrair do art. 1.829, III, do CC/02.

Tendo em vista, com efeito, a posição jurídica ostentada por irmãos, primos e tios do falecido na ordem de vocação hereditária (herdeiros facultativos ou eventuais), bem como o disposto no art. 1.829, IV, da lei civil, pode-se concluir que não haverá, em qualquer cenário, concorrência sucessória destes com o cônjuge ou companheiro(a) supérstite, a quem caberá, na hipótese aqui tratada, a integralidade do patrimônio líquido legado.