O controle judicial sobre cláusulas abusivas é mais restrito nos contratos empresariais

Um município celebrou, em caráter emergencial, contrato de prestação de serviços (gestão hospitalar) junto a determinada empresa privada. Esta, por sua vez, contratou uma segunda prestadora para atuar na mesma unidade de saúde.

No instrumento negocial firmado entre ambas, fez-se constar expressamente cláusula que desobrigava a contratante de remunerar ou indenizar a contratada por quaisquer serviços já prestados. Passado algum tempo, a gestora rompeu unilateralmente a avença, deixando um saldo devedor de aproximadamente R$ 70.000,00 junto à contraparte.

Sentindo-se lesada, a empresa contratada moveu ação judicial com pedido declaratório de nulidade da referida disposição, por suposta violação ao equilíbrio econômico-financeiro do negócio e à boa-fé objetiva (arts. 122 e 422 do Código Civil).

Seu pedido, contudo, foi julgado improcedente pelo STJ, sob os seguintes fundamentos:

A Lei nº 13.874/2019, intitulada "Lei de Liberdade Econômica", dispõe expressamente que "os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública" (art. 3º, VIII), tendo, ainda, promovido uma série de modificações no Código Civil, sobretudo no que se refere aos critérios interpretativos dos negócios jurídicos.

O art. 421, parágrafo único, da lei civil, prevê que "Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual". O novel art. 421-A, noutro giro, dispõe que "Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais", sendo certo que "a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada", bem como que "a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada" (incisos II e III).

É claro que a liberdade de contratação e a autonomia privada, embora sejam princípios fundamentais no Direito Civil, não são absolutos, considerando que encontram limites na função social do contrato, na probidade e na boa-fé objetiva. No entanto, no caso concreto, não se identifica violação da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

A existência de equilíbrio e liberdade entre as partes durante a contratação, bem como a natureza do contrato e as expectativas são itens essenciais a serem observados quando se alega a nulidade de uma cláusula com fundamento na violação da boa-fé objetiva e na função social do contrato.

Em se tratando de contrato de prestação de serviços firmado entre dois particulares que estão em pé de igualdade no momento de deliberação sobre os termos do contrato, considerando-se a atividade econômica por eles desempenhada, inexiste legislação específica apta a conferir tutela diferenciada para este tipo de relação, devendo prevalecer a determinação do art. 421 do Código Civil.

Processo: STJ, 3ª Turma. REsp 1.799.039/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, j. 04/10/2022 (Informativo 754).