Para a configuração do crime de abandono material (CP, art. 244) é necessária a comprovação do dolo de não contribuir com a assistência familiar

O crime de abandono material está previsto no art. 244 do Código Penal: "Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: (Redação dada pela Lei no 10.741, de 2003)

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei no 5.478, de 1968)

Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada."

Cuida-se, em síntese, de tipo penal voltado a consagrar os primados da paternidade responsável e da integridade da família.

A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e Código Civil estabelecem os fundamentos normativos do dever assistencial no âmbito familiar, cuja violação pode acarretar, como no caso da norma em exame, responsabilização de natureza criminal. É certo, todavia, que a principiologia limitadora do poder punitivo estatal deverá servir de filtro para a incidência dessa específica modalidade sancionatória.

Trata-se do princípio da ultima ratio (subsidiariedade ou dignidade penal), segundo o qual a incidência da norma penal ficará condicionada à demonstração de que nenhuma outra forma de controle acha-se idônea para zelar de forma eficaz pelo bem jurídico tutelado.

No caso do abandono material, o filtro a ser observado é o da vontade livre, consciente e manifesta (dolo) no sentido de descumprir o encargo assistencial em prol da família, cuja caracterização decorrerá da ausência de motivo legítimo para a inadimplência (cuidando-se a "justa causa" de elemento normativo do tipo penal incriminador, sem o qual se desnatura o delito). Vale dizer, não basta que o devedor simplesmente descumpra a sua obrigação, sendo imprescindível evidenciar que o faz de maneira intencional, propositada.

É conforme já havia se posicionado o tribunal em outras oportunidades: "Para a imputação do crime de abandono material, mostra-se indispensável a demonstração, com base em elementos concretos, de que a conduta foi praticada sem justificativa para tanto, ou seja, deve ser demonstrado o dolo do agente de deixar de prover a subsistência da vítima." (STJ, 6ª Turma. RHC 27.002/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 18/9/2013).

*Obs: A omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo MATERIAL do filho gera danos morais, passíveis de compensação pecuniária (STJ, 4ª Turma. REsp 1.087.561/RS, Rel. Min. Raul Araújo, j. 13/6/2017 - Informativo 609).

Processo: STJ, 6ª Turma. HC 761.940/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 04/10/2022 (Informativo 758).