O princípio da afetividade e as relações familiares

O princípio da afetividade não tem previsão expressa na legislação, mas está presente de forma implícita na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo apontado como o principal fundamento das relações familiares.

Para a autora Maria Berenice Dias, o princípio da afetividade é responsável por promover uma nova ordem jurídica para a família, possibilitando um modelo familiar mais igualitário entre os cônjuges e companheiros, e filhos biológicos e adotados. A autora pontua ainda que o este princípio é ''o salto à frente da pessoa humana nas relações familiares” (DIAS,2016, páginas 85 e 86).

Nesse sentido, para os professores Cristiano Chaves de Farias e Conrado Paulino da Rosa, a contemporânea importância atribuída ao elemento afetivo demonstra uma nova leitura das relações familiares ao afirmarem que “abandonando uma feição patrimonialista e matrimonializada, o Direito das Famílias encontrou no afeto o seu ponto de fluência e de confluência, como base valorativa” (FARIAS E ROSA, 2020, página 128).

Entende-se, portanto, que a afetividade enquanto princípio é fundamentada na tutela da dignidade da pessoa humana, solidariedade e igualdade. Tal ressignificação das relações familiares inaugurou a discussão acerca da possibilidade de responsabilização - civil ou penal, a depender do caso - daquele que comprovadamente descumprir o dever de convivência e participação ativa no desenvolvimento dos filhos, por exemplo.

Destaque-se, ainda, que a análise deste princípio deve considerar o afeto pelo critério subjetivo e objetivo, sendo o primeiro compreendido como o sentimento, que nesse caso pode significar o amorou o ódio. Por outro lado, o critério objetivo é a exteriorização do sentimento, e é esse aspecto que tem maior relevância para o Direito, uma vez que produz efeitos e atinge bens jurídicos tutelados.

Além disso, importa também ressaltar que a relevância do afeto na interação interpessoal proporcionou o reconhecimento da união homoafetiva como ente familiar, bem como legitimou os vínculos familiares baseados apenas nos laços afetivos, como a parentalidade socioafetiva e, posteriormente, a multiparentalidade.

Deve, por conseguinte, ser o afeto deve entendido como um dever inerente ao poder familiar, com fundamento no artigo 1.634 do Código Civil, principalmente por ser, comprovadamente, elemento indispensável para a construção da personalidade.

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste enquanto aos filhos:

I - dirigir-lhes a criação e a educação;

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584 ;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

 Na opinião dos professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “a transição da família como unidade econômica para uma compreensão igualitária, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros reafirma uma nova feição, agora fundada no afeto. Abandona-se, assim, uma visão institucionalizada, pela qual a família era apenas uma célula social fundamental, para que seja compreendida como núcleo privilegiado para o desenvolvimento da personalidade humana” (FARIAS EROSENVALD, 2020, página 86).

Por fim, vale dizer, que o rol trazido pelo artigo 1.634, acima mencionado, é meramente exemplificativo, devendo comportar as outras hipóteses que surgem a partir das novas relações afetivas, com o intuito de preserva-las e dar-lhes legitimidade. Por exemplo, a possibilidade de fixação de alimentos nos casos de paternidade socioafetiva.

BIBLIOGRAFIA:

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11ª ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

DIAS, Maria Berenice. Filhos do Afeto. 2ª ed. rev. e atual. 2ªtiragem – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020.

DIAS, Maria Berenice. Alimentos – Direito, ação, eficácia e execução. 3ª ed. rev. atual. – São Paulo: Editora Juspodivm, 2020.

FARIAS, Cristiano Chaves e ROSA, Conrado Paulinho da. Teoria geral do afeto.1ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson e NETO, Felipe Braga. Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil. 3ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.