Rede Globo é condenada por retratar dois homens inocentes como criminosos no programa "Linha Direta"

Dois suspeitos pela prática do crime de estupro de vulnerável (contra quatro crianças) foram retratados, de forma sensacionalista e novelesca, como culpados e perigosos ao longo de toda a exibição do programa "Linha Direta", da Rede Globo. Entretanto, restaram absolvidos de todas as acusações por ausência de lastro probatório mínimo para a condenação.

Poucos dias após a exibição do programa, ambos foram presos e assim permaneceram até a absolvição, mas, em virtude do formato tendencioso e fortemente apelativo do documentário, continuaram a ser alvos de repúdio social e execração popular. Em vista disso, moveram ação de responsabilidade civil em face da emissora responsável pela veiculação do programa, pleiteando reparação dos danos morais suportados.

Em primeira instância o pedido foi julgado procedente, sendo oportuno apreciar os principais fundamentos da decisão, senão vejamos: "Destarte, ao assistir o programa Linha Direta, verifica-se que os fatos foram dramatizados em forma novelesca e não jornalística, posto que, não foram levados ao programa simples informações a respeito da denúncia, do conteúdo das acusações, nem foi ao conhecimento público de que os acusados poderiam eventualmente, serem absolvidos e que, as acusações, ainda teriam que ser apuradas. Ao contrário, apesar do chamamento e da notícia terem se baseado na peça acusatória do Ministério Público em verdade, o programa, ao ser montado dentre desse roteiro novelesco com atores contratados retratando as pessoas dos requerentes, os quais tiveram os nomes revelados (...). Ademais, o programa chegou a apresentar trechos considerados “chocantes” e, como se tivessem ocorrido de forma inquestionável (...), com imagens fortes, que exploraram o imaginário do público em geral. (...) Vale ressaltar que os fatos denunciados já datavam demais de dois anos. Os requerentes viviam tranquilos em sua cidade natal e apóso programa foram presos, tiveram que aguardar até o julgamento no cárcere e, mesmo depois de absolvidos, continuaram a ser apontados na rua como estupradores."

Inconformada, a empresa interpôs recurso ao tribunal de justiça local, que manteve a decisão. Em seguida, levou a questão ao Superior Tribunal de Justiça, que também referendou o pronunciamento impugnado.

Destacou-se que a liberdade de imprensa deve ser exercida com ética e responsabilidade dentro dos marcos legais, sob pena de agressão a outros bens jurídicos igualmente protegidos pela Constituição da República, como honra e privacidade. Na espécie, os suspeitos foram retratados - mesmo à míngua de lastro probatório mínimo - como culpados de crimes hediondos e altamente perigosos para o tecido social, em formato de exibição dramático, sensacionalista e apelativo. Nesse cenário, não se cumpre o papel informativo próprio da atividade jornalística séria, devendo haver, portanto, a responsabilização civil pelos danos ocasionados.

Cabe salientar, por fim, que o montante indenizatório fixado em primeiro grau considerou não apenas o caráter educativo (pedagógico) da condenação, mas também os valores auferidos pela emissora com as inserções comerciais feitas durante a exibição do programa.

Processo: STJ, 4ª Turma. AgInt no REsp 1.770.391/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, j. 22/11/2022 (Informativo 762)