Breves considerações acerca da socioafetividade e da multiparentalidade

Com a desbiologização da paternidade[1], os vínculos de afeto que surgem a partir da convivência - como a paternidade socioafetiva, o parentesco por afinidade e a multiparentalidade - passaram a produz efeitos jurídicos idênticos aos do parentesco consanguíneo, quanto a direitos e deveres[2].

Sobre a multiparentalidade, leciona a autora Maria Berenice Dias:

"Quando um homem registra como seu filho quem sabe ser biologicamente de terceiro, há o trato e a fama, há o convívio, há o afeto e dessa relação de poder surge à responsabilidade. Os efeitos jurídicos do parentesco socioafetivo são idênticos ao do parentesco consanguíneo".

Em via de consequência, o exame de DNA deixou de ser meio de prova exclusivo para determinar a existência de vínculo paterno-filial, sendo imprescindível, para verificação de outras formas de paternidade hodiernamente admitidas, a realização de estudo psicossocial do caso subjudice.

Ou seja, se mesmo diante da ausência de vínculo consanguíneo, ficar demonstrada a existência da posse de estado de filho (a), deverá ser reconhecida a filiação socioafetiva, como bem aponta o Enunciado de nº 103 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, vejamos:

"O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies deparentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noçãode que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer dastécnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) quenão contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva,fundada na posse do estado de filho".

Cumpre consignar, portanto, serem subespécies de parentesco: o consanguíneo, o decorrente da adoção, o socioafetivo, o proveniente de reprodução assistida e o formado por afinidade.

Por implicar na concessão dos mesmos direitos decorrentes do parentesco biológico[3], a filiação socioafetiva encontrou certa resistência de parcela da jurisprudência pátria, inclusive nas hipóteses de adoção unilateral - prevista no artigo 41, §1º do ECA - predominando até então o entendimento de que a legitimação sucessória exigiria a substituição, no registro de nascimento, do nome do pai biológico pelo do socioafetivo – isto é, não se concebia a hoje consolidada multiparentalidade.

Tal imposição causava enorme “crise de lealdade” (Maria Berenice Dias, Filhos do Afeto, pág. 213) entre os envolvidos, uma vez que o pedido de filiação socioafetiva independe da desvinculação afetiva do progenitor, sendo plenamente possível (e comum) que os referidos vínculos coexistam, sendo o afeto elemento comum a ambos. Ou seja, o objetivo era acrescentar, aumentar a quantidade de laços familiares, e não privilegiar um em detrimento do outro.

Assim, em face da crescente demanda social pelo seu reconhecimento como fator constitutivo dos vínculos de parentesco - também endossada pelas uniões homoafetivas e métodos de reprodução assistida -, a socioafetividade – mormente sob o espectro da multiparentalidade - apresentou-se como uma (bem-vinda)solução, já que possibilita que uma pessoa tenha, simultaneamente, mais de um pai e uma mãe e, por consequência, mais avós.

Reitere-se que, independentemente da quantidade de pais e mães, a filiação socioafetiva confere a crianças, adolescentes e jovens a mesma (ampla) gama de direitos a que fazem jus por decorrência do vinculo biológico, isto é, dignidade, alimentos, convivência familiar, educação, cultura, lazer, profissionalização, saúde, respeito, liberdade e vida (CRFB, art. 227)[4].

 

Referencias bibliográficas:


[1]João Baptista Villela, Desbiologização da paternidade, pág. 404.

[2]Quando um homem registra como seu filho quem sabe ser biologicamente deterceiro, há o trato e a fama, há o convívio, há o afeto e dessa relação depoder surge à responsabilidade. Os efeitos jurídicos do parentesco socioafetivosão idênticos ao do parentesco consanguíneo. – Maria Berenice Dias, pág. 47 e48.

[3]Enunciado 6 do IBDFAM: Do reconhecimento jurídicoda filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes àautoridade parental.

[4] Como vem sendoreconhecida a multiparentalidade, em que todos os que desfrutam da condição depais assumem os encargos decorrentes do poder familiar, o fato de inexistirmúltiplo registro não dispensa qualquer deles do dever de prover o sustento dequem é seu filho, quer seja ele registral, biológico ou afetivo.  - Filhos do afeto, página 59.